Apesar das várias incertezas da política e economia global, o número de investidores segue crescendo rapidamente no Brasil. Segundo um relatório da B3, responsável pela administração da bolsa de valores brasileira, de novembro de 2021 para o mesmo mês do ano passado, o registro de pessoas físicas na instituição subiu de 3,3 milhões para 4,6 milhões. O mesmo é visto no desenvolvimento do mercado de criptomoedas por aqui. De acordo com a Receita Federal, o número de investidores de criptoativos aumentou em 200%, em 2022.
Mas quem chega nesses dois setores, fica a pergunta: “Será que existe algum tipo de correlação de preço entre o mercado de ações e o mercado de criptomoedas?” A resposta curta é: sim, existe. Vamos falar um pouco sobre isso.
Nem sempre foi assim
Apesar de hoje existir uma forte correlação entre o mercado de criptomoedas e o mercado de ações, isso nem sempre foi assim.
Em seus primórdios, quando o bitcoin (BTC) ainda existia apenas em um mercado de nicho, e era negociado quase exclusivamente de forma peer-to-peer em fóruns especializados e grupos fechados entre inovadores, desenvolvedores e cypherpunks, o BTC não tinha nenhuma correlação com o mercado de ações.
Com o passar do tempo, a criptomoeda de referência passou a ser adotada pelos early adopters, que em sua maioria eram usuários do Darknet Market (DNM), negociando produtos no mercado paralelo ou em pequenas comunidades libertárias ao redor do mundo. Foi, então, que algumas poucas plataformas de câmbio (exchanges) surgiram neste período para facilitar a troca de BTC para moeda fiduciária e o mercado especulativo do bitcoin começou a crescer.
Se existe câmbio facilitado, com taxas acessíveis e uma certa liquidez (volume de negociação), existe especulação financeira. Foi neste momento em que realmente começaram a surgir estudos e análises de preço, mas ainda com pouca ou nenhuma correlação com o mercado acionário.
É claro que, neste ponto, o bitcoin já sofria uma certa influência da macroeconomia, mas ainda de forma muito superficial e distante. A criptomoeda tinha seu próprio mercado, seus próprios fundamentos, seus próprios especuladores e seu próprio nicho. Esses componentes são, em sua maioria, muito diferentes do mercado de ações.
A partir do surgimento das altcoins, formou-se ainda um ecossistema econômico próprio, onde essas moedas digitais alternativas estavam correlacionadas com o bitcoin. Mesmo assim, o mercado cripto continuava andando separado dos demais mercados de risco. Novamente, fatores macro relevantes ainda conseguiam afetar um pouco a dinâmica de preço dos criptoativos, mas não existia nenhuma correlação evidente.
A diferença entre o mercado de ações (centralizado) e o mercado de criptomoedas (descentralizado) era bem clara; e o segundo se movia com vida própria.
Siga o dinheiro: institucionais em cripto
Mas com a popularidade e o crescimento dos early adopters, as criptomoedas chegaram até um público maior. A early majority (maioria inicial) começou a ser impactada pelas características do mercado e, aos poucos, o capital de grandes players passou a entrar em todas as criptomoedas, mas principalmente o bitcoin.
Muitas entidades relevantes – os clientes institucionais – passaram a migrar parte de seu capital do mercado acionário para as criptomoedas, buscando maior rentabilidade, inovação e auto-custódia.
Com a chegada desse tipo de investidor, primeiro de forma discreta, depois de maneira mais intensa, as tendências do mercado cripto começaram a ficar mais correlacionadas com as do mercado de ações; já que o maior volume financeiro movimentado em ambos, começou a ter uma origem cada vez mais semelhante: “siga o dinheiro”.
Isso se deve ao forte crescimento da demanda especulativa, principalmente motivada pela descorrelação inicial, que já não existe mais.
O “peso” da demanda apresentou a este segmento uma característica mais especulativa e de renda variável, do que realmente uma demanda ideológica e de uso, como era em seu início. O que é natural em qualquer mercado e para qualquer tecnologia.
Variedade de projetos e soluções entre os criptoativos
Ao mesmo tempo, o mercado de criptomoedas passou a ficar cada vez menos dependente apenas do bitcoin e nos últimos dois anos vimos uma enorme variedade de projetos, soluções e ofertas diferentes surgindo nessa indústria em formação. Muitos deles, inclusive, passaram a abrir mão da descentralização como ponto principal.
Com esta mudança de foco e a chegada da Web3 – carregada com um forte apelo de marketing -, projetos cripto passaram a ficar cada vez mais semelhantes com startups e scale-ups do mercado fiduciário. Isso vem aproximando cada vez mais o ato de comprar um token (criptoativo), com o ato de comprar uma ação ou a participação em uma empresa em seus estágios iniciais (ativos financeiros).
Se essa tendência se mantiver, devemos ver o mercado de criptomoedas tendo cada vez mais correlação com o mercado de ações. Mas se isso acontecer, não necessariamente é algo ruim.
A possibilidade de investir em startups centralizadas através de tokens em blockchain é uma inovação muito positiva para a indústria, pois ela democratiza cada vez mais o acesso a estes produtos financeiros por investidores menores.
Ela abre o acesso e a oportunidade da especulação de capital de risco (venture capital) para um mercado mais amplo e antes muito limitado.
Além disso, a correlação entre a maior entrada de capital e o maior volume de negociação desses ativos também equilibra mais a volatilidade, trazendo perdas menores durante os bear markets (mercados de baixa) – que é um fator ainda limitante para os investidores mais conservadores que querem começar a explorar o mercado de criptomoedas e antes se limitavam apenas ao mercado de ações.
Pode ser que, em um futuro próximo, a revolução proporcionada pelas criptomoedas seja tão grande que já não conseguiremos mais fazer distinção entre os mercados financeiros. Com as soluções cripto já totalmente inseridas na realidade dos mercados, das empresas e das pessoas.